top of page

Microplásticos no corpo humano: o que mostram os estudos mais recentes

  • Foto do escritor: Jean De Paola
    Jean De Paola
  • 30 de set.
  • 5 min de leitura
Craca em garrafa plástica, 2020 depois da ressaca Bertioga SP
Craca em garrafa plástica, 2020, depois da ressaca Bertioga SP

Quando uma garrafa plástica é descartada incorretamente, muitas vezes acaba em rios e, posteriormente, no mar. Como o plástico não se degrada, ou faz isso de maneira extremamente lenta — dentro da escala de vida humana, praticamente não se consome — ele vai apenas se fragmentando. A ação da radiação solar e o atrito com outros materiais fazem com que o plástico se quebre em pedaços cada vez menores, até se transformar em microplásticos.

Esse fenômeno também ocorre em situações cotidianas. Um exemplo é a lavagem de roupas sintéticas: apenas uma lavagem de uma calça jeans pode liberar cerca de 900 partículas de plástico, e os filtros das máquinas de lavar, aquelas escovas que funcionam como filtros, não são finos o suficiente para reter essas partículas.

O que são microplásticos?

Microplásticos são definidos como partículas com menos de 1 milímetro de diâmetro — a menor medida visível em réguas comuns. Esses fragmentos têm sido detectados em ambientes marinhos, nos animais aquáticos e até em sal de cozinha, demonstrando que sua dispersão vai muito além das áreas costeiras. Já há mais de 10 anos, estudos pioneiros, como os de Anthony Browne (Austrália), mostravam a concentração desses fragmentos em regiões próximas a grandes cidades. Hoje, as pesquisas mostram, essa preocupação cresceu de forma global.

A cobertura midiática e científica

Para entender o tema, podemos dividi-lo em dois grupos de referência:

1.    Fontes jornalísticas (revistas e jornais como Time, Le Monde, Boston Globe, The Guardian, El País etc.), que trazem reportagens de divulgação científica;

2.    Fontes acadêmicas (revistas científicas como Science, Nature, PNAS, The Lancet), que apresentam papers, dados técnicos e revisões críticas.

Esse cruzamento é fundamental: enquanto a mídia amplia o alcance da informação, a ciência fornece a base para avaliar riscos e propor políticas.

Impactos no consumo cotidiano

Durante muito tempo, acreditou-se que a principal forma de ingestão humana era através do consumo de frutos do mar. No entanto, pesquisas recentes mostram que até mesmo a água engarrafada é uma importante fonte de exposição.

Time (2024) publicou que marcas comerciais de grande circulação contêm entre 110.000 e 370.000 partículas/L, com média de 240.000 partículas/L. Cerca de 90% eram nanoplásticos (<1 nm) e apenas 10% microplásticos maiores. Esse dado coloca em xeque a percepção da pureza da água engarrafada e reforça a necessidade de uma regulação.

Boston Globe apresentou reportagem semelhante, acrescentando que a água da torneira possui até 65 vezes menos desses tipos de partículas. Isso sugere que sistemas públicos de abastecimento filtram parcialmente os plásticos, embora sem diferenciar micro e nanoplásticos.

Um estudo francês, publicado pelo Le Monde, revelou ainda uma contradição interessante: bebidas em garrafas de vidro apresentaram cerca de 30% mais microplásticos do que aquelas em plástico ou alumínio. O problema não estava no recipiente, mas nas tampas metálicas revestidas por tintas poliméricas, que liberavam partículas microscópicas durante o armazenamento e o transporte, pois raspavam umas nas outras e deixavam partículas soltas que acabavam indo parar dentro das garrafas.

Impactos ambientais

Os efeitos também são amplos na natureza. Em Fiji, por exemplo, reportagens (Time) destacam o impacto no turismo e os esforços do governo local em restringir plásticos descartáveis, apesar da resistência da indústria local.

A presença de microplásticos já foi associada à redução da polinização: um estudo divulgado pelo Boston Globe mostrou que partículas ingeridas por abelhas afetam sua orientação. No caso das plantas, experimentos relatados pelo The Guardian apontaram uma queda de até 20% no processo de fotossíntese nas espécies expostas. Isso representa um risco para a segurança alimentar, reforçando a necessidade de se incluir os microplásticos nos modelos climáticos.

A presenças dos microplásticos nos oceanos é ainda mais intensa. Estudos reportados pelo El País encontraram milhares de partículas por metro cúbico, inclusive em regiões profundas como a Fossa das Marianas. O Der Spiegel destacou que medições em águas profundas do Atlântico Norte revelaram concentrações até 10 vezes maiores que as previstas pelos modelos matemáticos.

Impactos na saúde humana

As evidências científicas mostram que os micro e nanoplásticos já estão dentro dos nossos corpos. A ingestão anual média é de 39.000 a 52.000 partículas/pessoa, combinando os alimentos e a inalação.

·       O Guardian (2025) reportou estudo que encontrou microplásticos em 0,5% do peso do tecido cerebral, com níveis até 6 vezes maiores em pessoas com demência.

·       O El País (2025) publicou evidência da presença de partículas em 75% dos sêmens e 60% dos ovários analisados, sugerindo impactos na fertilidade.

·       Reportagem do Der Spiegel revelou que em áreas urbanas inalamos cerca de 68.000 partículas/dia — algo próximo a 25 milhões por ano.

·       O Lancet Respiratory Medicine encontrou partículas plásticas em 20% das amostras de escarro de pacientes com doenças pulmonares crônicas.

Em animais, estudos publicados em Science Advances identificaram até 1.200 partículas/mL de sangue, associadas a aumento de 35% no risco de trombose. Outros experimentos mostraram que partículas menores que 100 nm atravessam a barreira hematoencefálica, com impactos potenciais em doenças cardiovasculares e neurológicas.

No planeta todo

Science (2024) apontou um crescimento exponencial na produção científica sobre o tema: de 200 artigos/ano em 2004 para cerca de 5.000 em 2024. O foco em saúde humana saltou de 5% para 30% no mesmo período. Modelos matemáticos preveem que, sem ação coordenada, 20 milhões de toneladas/ano de microplásticos entrarão nos oceanos até 2050, acumulando mais de 500 milhões de toneladas.

Apesar desse cenário, reportagens do Financial Times mostram uma queda de investimentos em bioplásticos — de US$ 1,7 bilhão em 2022 para US$ 583 milhões em 2023. Essa retração revela a distância entre as evidências científicas e as políticas industriais.

Conclusão

O conjunto de evidências jornalísticas e científicas indica que os micro e nanoplásticos estão disseminados (água, solo, ar) e já foram detectados em sangue, nos órgãos, no cérebro e nos gametas humanos.

Os números impressionam: centenas de milhares de partículas por litro em água engarrafada, dezenas de milhares inaladas por dia, e níveis crescentes em tecidos humanos, com associação a doenças graves. Ao mesmo tempo, a queda nos investimentos em soluções sustentáveis mostra que ainda não tratamos essa crise com a seriedade necessária.

A poluição plástica é invisível ao olho humano, mas seus efeitos são visíveis — e cada vez mais preocupantes — na saúde, nos ecossistemas e no nosso futuro.


Para saber mais

Referências

·       The New Yorker – Ensaio sobre micro/nanoplásticos (2024)

·       TIME – Microplastics in Bottled Water at Least 10 Times Worse Than Once Thought (2024)

·       Boston Globe – Nanoplastics in bottled water (2024)

·       Boston Globe – Microplastics may confuse bees… (2025)

·       The Guardian – Microplastics hinder plant photosynthesis (2025)

·       Financial Times – Medical research creating new risks… (2025)

·       Le Monde – Microplastiques dans fleuves européens (2025)

·       Le Monde – Bottled beverages from glass caps (2025)

·       El País – Sea of plastic… global ocean study (2025)

·       Der Spiegel – Nanoplastik im Nordatlantik (2025)

·       Guardian – Levels of microplastics in human brains may be rapidly rising (2025)

·       El País – Scientists find microplastics in semen and ovaries (2025)

·       Science – Twenty years of microplastic pollution research—what we have learned (2024)

·       Science – Regulate microplastics in drinking water (2025)

·       Science Advances – Microplastics in the bloodstream can induce cerebral thrombosis (2025)

·       Science Advances – Global environmental plastic dispersal under OECD scenarios (2025)

·       PNAS – Rapid single-particle imaging (2024)

·       PNAS – Photosynthesis losses from microplastic pollution (2025)

·       The Lancet Respiratory Medicine – Microplastics crisis (2025)

·       eBioMedicine / Lancet Discovery Science – Microplastics in blood (2024–2025)

·       Nature Medicine – Editorial: we need to understand how they affect human health (2025)

·       Nature Reviews – Detection and characterization of micro/nanoplastics (2025)

·       Science of Food – Evidence map (2025)

·       Scientific Reports – Occurrence and health risk in beverages (2025)

 

 

 
 
 

Comentários


j2020

bottom of page